por Suely Carvalho – Rever e ampliar o conhecimento sobre a origem da cultura sexista e racista tem sido praticado permanentemente em todas as interfaces da ciência acadêmica e da ciência popular desde a existência de um seleto grupo de sábios e sábias ancestrais que nos libertaram da prisão da ignorância; Che Guevara, Ghandi, Jesus Cristo, Dalai Lama, Zapata, Dandara, Zumbi, Salomão, Maria Madalena, Sócrates e tantos outros contemporâneos e antigos.
A partir do conhecimento surge o desafio da desconstrução de conceitos e valores respeitando a cultura étnica, facilitando a compreensão dos diferentes papéis democratizando os direitos de cidadania compreendendo também o respeito à livre opção religiosa e à livre opção sexual. Democratizar a cidadania é a ação inclusiva do estado na administração do dinheiro público garantindo a universalidade, equidade e qualidade das instituições públicas.
A livre opção religiosa respeita a escolha individual e rompe com as ditaduras fundamentalistas que manipulam a emoção e a fé. Isso que a princípio parece utopia pode ser realizado; entretanto, é necessário passar por alguns caminhos nunca antes caminhados; por exemplo, conscientemente compreender que é necessário um tempo real para a verdadeira mudança de paradigma e de comportamento.
Mudar comportamento necessita ter uma proposta estruturadora construída coletivamente para ocupar o lugar do que foi subtraído. Que a nova proposta facilite algumas necessidades básicas como; garantia da vida, da prosperidade sustentável, e da transcendência.
O desenvolvimento científico institucional, tecnológico e social traz alguns benefícios e causa alguns prejuízos, mas também revela erros e fracassos de modelos, práticas e paradigmas evidenciados nos estudos epidemiológicos. Nesse elenco de erros e fracassos o sexismo é o traço mais forte e hegemônico da cultura planetária, e o efeito são sociedades profundamente desiguais dividindo a população em classes por aspectos econômicos, biológicos e culturais.
Nascer do sexo masculino ou nascer do sexo feminino já significa com papéis definidos com prevalência de um sexo em detrimento do outro; evidentemente que as mulheres unicamente porque nasceram do sexo feminino tem menos direitos de cidadania menos poder público e menos liberdade.
Sabemos a partir dos permanentes estudos acima citados, que no período civilizatório da organização da agricultura e da pecuária e depois na idade média, o gênero feminino sofreu profunda mudança no tecido social com perdas de direitos e perda de qualificação humana, categorizando as mulheres como seres inferiores.
Índios, negros, asiáticos são nativos planetários mas estão secularmente ameaçados de perdas de territórios, culturas e direitos em benefício de uma reduzida elite heredeira da côrte. As palavras são a expressão da compreensão da questão é o esclarecimento do porquê das atrocidades cometidas por seres humanos contra seres humanos, as palavras dizem mas o fato evidencia.
A mulher índia grávida é atendida no pré-natal sem a devida atenção sobre suas características biológicas, sem considerar sua cultura alimentar limitada de vitaminas e de maior contato com parasitos. O bebê tem maior vulnerabilidade e a mulher tem maior possibilidade de uma debilidade pós-parto.
A mulher asiática tem predisposição a transtornos gástricos, digestivos também pela sua cultura alimentar cuja base é o arroz quando grávida os prenatalistas geralmente desconhecem essas características, muitas vezes a gravidez é desconfortável por problemas digestivos e a tendência é que o bebê tenha baixo peso e por isso enfrente desafios maiores ao nascer e nas primeiras semanas pós-parto.
A mulher negra, sem dúvida, tem muito mais agravado contra si a discriminação racial imbricado com o sexismo, nos índices da mortalidade materna de qualquer país ocidental em desenvolvimento o maior percentual está entre as mulheres negras. É desumano. No pré-natal não é dada a devida atenção às predisposições inerentes ao povo negro; hipertensão arterial, diabetes, miomas uterinos, anemia falciforme, osteoporoses.
Direitos reprodutivos e sexuais é uma política ampla e mundial elaborada pelo conjunto do movimento de mulheres de todos os continentes aprovado e preconizado pela Organização Mundial de Saúde. Foram as mulheres que tiveram que investigar, sistematizar, evidenciar e apresentar aos governos as diferenças entre os gêneros feminino e masculino, que essas diferenças não definem que um sexo seja melhor que outro ou um mais competente que outro, se assim fosse os masculinos estariam em desvantagem por que o cromossomo é XX, a feminina é XY portanto universal.
Compreender essas diferenças entre os gêneros contribui com dados epidemiológicos mais verdadeiros facilitando desta forma, políticas públicas que atendam as demandas específicas reprimida, respondendo aos direitos da população e construindo saúde de qualidade com vantagens econômicas.
Quando a medicina moderna, por volta do século XVII, mudou a posição da mulher ao dar a luz, tirando-a da posição vertical para colocá-la na posição horizontal mudou profundamente a vida da mulher. A posição de parir é uma questão política. Deitada, olhando para o teto com as pernas levantadas ela jamais terá o controle sobre seu corpo e sobre seu parto, entrega o comando e o protagonismo e assume a condição passiva obedecendo ordens; “faça força, respire, não grite”.
¿Porque o parto domiciliar sofre perseguições? ¿Porque as Parteiras Tradicionais são discriminadas? ¿Porque religiões não cristãs sofrem preconceitos? ¿Porque homossexuais masculinos e femininas são discriminados? ¿Porque crianças são maltratadas e violentadas? São várias as causas, as mais difíceis de serem enfrentados são os sentimentos surrealistas associados a mitos que ganham poder além de criarem factóides assimilado por fiéis. Isto não é diferente do totem, do bezerro de ouro, do cálice.
O lucro econômico sem dúvida está junto com a primeira causa, algumas concessões são feitas todas visando lucros e vantagens. Por exemplo, as populações de gays e lésbicas estão bastante visibilizadas e inseridas ao convívio social tem revistas temáticas, programas de televisão, personagens de telenovelas afinal é um público de classe social alta, média e média baixa formadora de opinião uma excelente fatia do mercado consumidor então se faz a política da boa vizinhança, entretanto, nunca é aprovada nos parlamentos a lei sobre a união civil enquanto direito, o que separa uma coisa da outra é o preconceito, a homofobia. Enquanto consumidores são reconhecidos como segmento social, enquanto cidadãos e cidadãs de direto não são reconhecidos.
O parto domiciliar é perseguido como uma prática absurda, construíram hospitais, laboratórios, farmácias, seguros de saúde enfim, construiu-se uma indústria com um enorme investimento econômico e que portanto prevalece a lógica do lucro mas, além do neoliberalismo o poder é também pano de fundo das iniqüidades o parto domiciliar revela o poder feminino o controle familiar sobre a vida e a espontaneidade do parir e do nascer, dar a luz.
Além do empoderamento da mulher o parto domiciliar caracteriza o ser e fazer feminino, mulheres ajudando mulheres, o saber popular sobre os rituais, as plantas medicinais praticados pelas parteiras tradicionais, xamãs, rezadeiras, raizeiros. Também configura o verdadeiro papel da medicina acadêmica e função dos hospitais, ou seja, prestar serviço de diagnóstico, assistência terapêutica, cirurgia e profilaxia, compreendendo que esta ciência não detém o saber absoluto e que, onde termina o direito de uns começa o direito de outros. Quer dizer: “existe vida inteligente além da medicina acadêmica e do modelo vigente de assistência ”.
A violência sexual e doméstica é evidentemente contra mulheres e crianças ou seja, sob a força bruta. ¿Quem disse aos homens que eles são seres superiores às mulheres? Eles mesmos. Enquanto as mulheres usavam os tempos conhecendo os meandros e lugares do ser e da vida na sua forma de pensar e de ver os homens na sua forma linear e sintética de pensar e fazer chegavam antes com resultados sobrepondo-se aos demais resultados.
Educados numa lógica sexista, a mulher tem a casa e o homem tem o mundo, estruturou a sociedade legislando em causa própria e elaborando leis que legalizasse seu direito de posse e autoridade sobre mulheres e crianças. Na idade média o homossexualismo junto com o sexismo e o racismo promoveu o mais perverso, desumano e obscuro massacre contra mulheres na história da civilização. O instinto de sobrevivência é inerente à todo ser humano, na Europa as mulheres sobreviventes da “caça às bruxas” por medida de segurança adotaram a lógica masculina na educação dos seus filhos, sem perder sua crença guardada em segredo, mas, sem querer e sem saber reproduziram um comportamento que consolidou uma cultura linear, patriarcal. Tomados desse poder equivocado alguns homens espancam, estupram, torturam e matam mulheres por considera-las criaturas inferiores e por considerarem-se supremos e absolutos, também algumas mulheres só conhecem essa forma de pensar.
O fato de causarem traumas às crianças e deixarem inúmeras órfãs de mãe, não se incluem nas considerações ou responsabilidades desses homens, por isso, após a ocorrência do fato a forma de contribuir para a mudança desse estado de coisas exige, conscientemente, encaminhar aos cuidados das instituições de segurança, saúde e justiça. Prevenir, desconstruir essa lógica perversa é necessário que toda a sociedade, civil e governamental, invista o máximo em educação e garanta a universalidade e eqüidade da cidadania.
Justifico porque acentuei ou destaquei questões de sexismo e discriminação racial a partir da gravidez, parto e nascimento e gênero. Sou Parteira Tradicional, herdeira das tradições das minhas bisavós e avós parteiras tradicionais, realizei em torno de 5.000 partos em trinta anos. Fundei a Organização Não Governamental C.A.I.S. do Parto: Centro Ativo de Integração do Ser em Olinda, Pernambuco, Brasil, e sou mentora e coordenadora da Rede Nacional de Parteiras Tradicionais.
Tenho aprendido muito ao longo dos anos e em companhia das minhas colegas parteiras indígenas, quilombolas, caboclas, caiçaras, pantaneiras, sertanejas, da floresta, das montanhas, do cerrado, dos pampas e urbanas, esse aprendizado tem me ajudado a colaborar com a transformação permanente da sociedade buscando intensiva e intensamente não mais me indignar porque não mais haverá iniqüidades contra seres humanos e a natureza universal. Considero-me privilegiada porque no exercício do meu oficio tenho a oportunidade de aprender lições sobre o Ser, o existir e a beleza e simplicidade do que é real e verdadeiro.
S. Carvalho (Brasil). Parteira Tradicional. Fundadora do C.A.I.S. do Parto, Coordenadora da Rede Nacional de Parteiras Tradicionais. Publicado en www.ciudadaniasexual.org