Unificar os lutadores para construir uma saída socialista para o país

Carta Aberta da Assembléia Nacional Popular e da Esquerda

Unificar os lutadores para construir uma saída socialista para o país

Rearticular o movimento operário e popular, recuperar a capacidade dos trabalhadores intervirem na conjuntura; reagrupar a esquerda socialista; discutir os problemas teóricos e práticos da atuação política da esquerda socialista e a construção de uma plataforma socialista para o Brasil, que exige a unidade ativa dos trabalhadores do campo e da cidade. Eis os motivos que levaram cerca de 800 lutadores a se reunirem na cidade de São Paulo nos dias 24 e 25 de setembro 2005 na Assembléia Nacional Popular e da Esquerda.

O momento de crise que atravessa o país atinge várias dimensões: econômica, política, social, ambientale ética. Esta crise é inerente ao sistema capitalista e, por isso, não se vislumbra o seu fim dentro dos marcos da ordem atual. As “soluções” apontadas pelo capital nesse contexto visam aumentar ainda mais a subordinação dos países periféricos, seja pela ocupação direta (como no Iraque e no Haiti), seja pela imposição aos programas do FMI e Banco Mundial – aprofundando a miséria do povo, o desmonte da saúde e da educação pública, a falta de moradia e, conseqüentemente, aumentando o abismo entre explorados e exploradores e a violência. A catástrofe global onde a exclusão social e a degradação ambiental se entrelaçam e atingem as populações pobres e marginais.

O governo Lula, dirigido majoritariamente pelo PT em aliança com a burguesia, foieleito pelo povo na expectativa de mudanças. No entanto, aprofunda a prática dos governos anteriores, diretamente representantes das classes dominantes e mantém uma política econômica de juros altos e restrição dos investimentos públicos, que só beneficia o grande capital e as camadas rentistas da sociedade , garantindo o pagamento rigoroso dos serviços da dívida interna e externa. As políticas sociais, que não ultrapassam os limites do assistencialismo mais canhestro, só fazem aumentar os efeitos do desemprego e a perda de poder de compra dos salários.

Em continuidade ao projeto neoliberal, o governo Lula debutou com a contra-reforma da Previdência. À qual seguiu-se uma “reforma” tributária que se limitou a defender os interesses do capital financeiro e a CPMF e seguir desviando verbas das áreas sociais – como a saúde e a educação para o pagamento de juros da dívida interna e externa com a DRU (Desvinculação de Receitas da União). Além da contra-reforma universitária que é um presente para os empresários da educação e aprofunda a concepção de educação como mercadoria. Na seqüência, aprovou uma Lei de Falências que privilegia os banqueiros, em detrimento dos trabalhadores. Continuou as privatizações, mal disfarçadas nas Parcerias Público-Privadas. E aliou-se ao agronegócio exportador liberando os transgênicos e enveredando por uma política de ataques ainda maiores ao meio-ambiente (escancarada na Lei de Florestas e no projeto de transposição do Rio São Francisco). Enquanto isso, na reforma agrária – paralisada para satisfação do grande latifúndio e dos novos amigos do agrobusiness – foram aplicados menos de 1 bilhão de reais**. Agora, propõe uma reforma sindical e trabalhista com vistas a liquidar com os direitos dos trabalhadores.

O Brasil tornou-se tão fiel aos interesses do capitalismo que as metas de superávit estão acima do exigido pelo FMI, que faz elogios abertos à condução “responsável” do país. Nos dois primeiros anos de governo Lula, foram pagos 273 bilhões de reais só de juros da dívida externa***. A criação de um órgão centralizador das arrecadações (a famigerada “Super Receita”) vai na mesma direção: colocar todas as receitas da União a serviço do mercado financeiro.

Para realizar a sua “obra”, o governo Lula trabalhou para cooptar as direçõese desmobilizar os movimentos sociais, o caso mais escandaloso é o das direções majoritárias da CUT e da UNE, que apóiam todas as medidas impopulares do governo, em particular as reformas sindical/trabalhista e universitária, estabelecendo um novo marco de incorporação orgânica com o governo com a nomeação de Marinho como ministro do Trabalho. O PT, atuando nos movimentos contra os trabalhadores e suas lutas, revela que, como instrumento de transformação para os trabalhadores e o povo, esgotou o seu papel. A reorganização da esquerda passa por fora do PT. Portanto, a tarefa é derrotar as direções da CUT, UNE e do PT no movimento. O governo também atacou duramente todas as lutas dos trabalhadores da cidade e do campo e manteve uma política de criminalização dos movimentos sociais, como expresso nas prisões de dirigentes do MST, e outras lideranças como o companheiro Gegê (dirigente da Coordenação dos Movimentos Populares).

A política econômica, as reformas neoliberais e a crise do ‘mensalão’ implodirama base de apoio ao governo Lula no Congresso, construída com o que existe de pior na política brasileira através da corrupção e loteamento de cargos. O governo consegue apenas manter uma política econômica financeirista e conservadora no seu pior sentido. A base social do governo se dissolve, com suas instâncias em crise e seu núcleo em xeque. A oposição burguesa, encabeçada pelo PSDB-PFL e demais partidos burgueses, tenta se apresentar com alternativa a tal descalabro, se fantasiando de guardiã da ética e dos bons costumes políticos. Nada mais falso.

A crise do governo Lula e do Congresso Nacionalé também a crise de representação política das classes dominantes no Brasil. A falência deste governo evidencia a falência de uma forma fazer política e de dirigir os movimentos sociais. Evidencia a falência da conciliação com setores e partidos burgueses, do eleitoralismo, da burocratização que afasta as direções da base e da separação das lutas específicas das gerais. Deixa patente a perda de centro estratégico de grande parte da esquerda e sua adaptação à ordem. Por outro lado, cria novas perspectivas de luta e de militância política.

Os problemas a serem resolvidos são de grande vulto. As respostas ainda são tênues, mas a necessidade de rearticulação da esquerda e do movimento dos trabalhadores é real, bem como a vontade de faze-lo.

Por isso, a Assembléia Nacional Popular e da Esquerda, reunindo entidades, sindicatos, partidos, organizações, movimentos sociais e militantes de diversos matizes e segmentos, de vários estados do Brasil, conclama todos os que acreditam numa sociedade sem explorados e exploradores a se mobilizar, para realizar discussões teóricas e práticas, gerais e específicas, num crescendo para a retomada das ações de massa em nosso país. Acreditamos que só a luta e a organização dos trabalhadores mudam a vida, e por isso nos colocamos a tarefa de lutar pela unidade de todos os lutadores.

A Assembléia Nacional Popular e da Esquerda tem caráter independente, amplo, unitário e pluripartidário, congregando aqueles que lutam por mudanças efetivas em nosso país. Não pretende concorrer com entidades e movimentos existentes. Ao contrário, pretende manter um diálogo aberto acerca das questões e ações do movimento social e construir uma plataforma unitária, com base nas reivindicações históricas dos trabalhadores, da juventude, desempregados, aposentados, intelectuais, etc, para intervir politicamente na realidade nacional e ser uma ferramenta dos movimentos sociais para potencializar a mobilização.

A Assembléia Nacional Popular e da Esquerda busca recuperar os valores da esquerda, perdidos neste momento histórico. A luta dos trabalhadores é a luta de todos os povos. Portanto, a Assembléia é solidária à luta dos povos contra o imperialismo e a opressão, na América Latina, no Iraque ou na Palestina. Igualmente, a luta contra o racismo, o sexismo e qualquer tipo de discriminação nos é fundamental. A preservação do meio-ambiente, da herança cultural e dos povos indígenas também são bandeiras desta Assembléia.

A Assembléia Nacional Popular e da Esquerda luta por uma plataforma com os seguintes eixos:

1) Derrotar a política econômica do governo, pelo não pagamento da dívida interna e externa, a ruptura com o FMI e o imperialismo e a extinção da política de superávits primários e construção de uma política ativa de geração de emprego e renda. Taxação das grandes fortunas. Contra os cortes de verbas das áreas sociais para o pagamento de juros;

2) Reforma agrária e urbana com o fim do latifúndio. Todo apoio às ocupações.

3) Controle das empresas públicas pelos trabalhadores e usuários, com eleição de dirigentes, abertura das contas, etc;

4) Revogação de todas as votações do Congresso sob regime do “mensalão”;

5) Eleição dos cargos de confiança nas empresas públicas e estatais, imediato impedimento das empresas que contribuíram com as campanhas eleitorais de participarem de licitações por pelo menos 8 anos;

6) Fim do sigilo bancário dos partidos políticos, parlamentares e ocupantes de cargos executivos; garantia de realização de plebiscitos e consultas populares para decidir medidas que o Congresso Nacional não tem moral para instituir;

7) Não à PEC 157/2003 (que propõe autorizar a aprovação de reformas constitucionais por maioria simples no Congresso Nacional, facilitando os ataques aos trabalhadores);

8) Democratização da informação e dos meios de comunicação;

9) Redução da jornada de trabalho sem redução de salário;

10) Punição e confisco dos bens aos corruptos e corruptores e repúdio a qualquer tentativa de acordão ou “operação abafa”;

11) Contra as reformas neoliberais do governo Lula (sindical, trabalhista e universitária);

12) Em defesa da Previdência Social pública! Não à MP 258 (“Super Receita”);

13) Foras as tropas do Iraque e do Haiti;

14) Fora Bush da América Latina. Não à Cúpula das Américas;

15) Não à ALCA e aos acordos de livre-comércio;

16) Em defesa do emprego e de salários dignos: reposição das perdas salariais com aumento geral dos salários;

17) Em defesa da educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todos em todos os níveis;

18) Em defesa do serviço público e dos trabalhadores: garantia da data base e de uma política salarial para o funcionalismo público.

19) Contra as opressões de gênero, raça e da orientação sexual.

A Assembléia Nacional Popular e da Esquerda pretende ser o início de um movimento que mobilize todo o país. Esta Assembléia deve se reproduzir nos estados, nas cidades e nos bairros, no campo e no meio dos trabalhadores e demais segmentos populares com a construção de um comitê nacional de ação e de comitês estaduais permanentes da Assembléia Nacional Popular e da Esquerda para realizar discussões, atividades de formação, panfletagens e manifestações de protesto contra a situação econômica e política. Assim como a preparação de um novo grande encontro nacional no início do ano que vem. (entre os meses de março/abril) para dar seqüência à construção de mobilizações unitárias com todos os setores que não se curvam aos ataques que vêm sendo impostos à classe trabalhadora e continuidade da discussão sobre quais são as bases unitárias de construção de uma saída socialista para o país sob o ponto de vista dos trabalhadores.

Portanto, a Assembléia Nacional Popular e da Esquerda propõe o seguinte plano de mobilizações:

  • Apoio a todas as lutas dos trabalhadores do campo e da cidade por suas reivindicações e contra os ataques dos governos estaduais e federal e do patronato e às greves dos trabalhadores das Universidades federais e estaduais (professores e técnicos administrativos), assim como as recentes greves dos trabalhadores do IBGE, dos Correios, da Previdência e da Seguridade Social.
  • Organização das lutas contra as privatizações (especialmente a da Petrobras) e pela reestatização das empresas privatizadas;
  • Construir um ato unificado de caráter nacional em SP e nos estados com todos os setores e organizações da esquerda, em repúdio à visita de Bush e ao imperialismo com o eixo “Contra o acordo neoliberal de Bush e Lula. Fora do Brasil: Bush, o FMI e todos os corruptos do Congresso e do governo!” (em 06 de novembro, no dia da visita de Bush à cidade);
  • Incorporar no calendário as mobilizações dos lutadores do povo, tais como: a Assembléia Popular: mutirão por um novo Brasil (25 a 28 de outubro), a Jornada Mundial das Mulheres (de 12 a 17 de outubro), a 3ª Cúpula dos Povos (de 1ª a 05 de novembro), o dia 08 de março, o dia 20 de novembro – Dia da Consciência Negra, o 1o. de maio e a participação nos atos classistas contra a corrupção.

A Assembléia Nacional Popular e da Esquerda, em nome de seus participantes, reafirma a busca por uma sociedade sem exploradores e sem explorados, uma sociedade socialista. Não descansaremos enquanto uma real alternativa de mudança não for forjada, sem ilusões e nem conciliação de classe. Para nós, reunidos nessa Assembléia, não existe movimento sem objetivo. Somaremos ação e pensamento, na construção de um país justo, soberano, democrático e socialista. E buscaremos a unificação de todos os lutadores, correntes de pensamento e formas de organização para somar forças nessa luta, sem contraposição de uma iniciativa sobre as demais.

 

* A carta aberta foi aprovada ao final da Assembléia, na tarde de domingo 25 setembro 2005, quando várias delegações já haviam retornado para seus estados. Dos presentes 345 votaram a favor do texto, 80 votaram contra e 10 se abstiveram.

** Dados do SIAFI (Sistema de Acompanhamento Financeiro do governo, até 30 de maio).

*** Dados da página da Câmara dos Deputados.